Medos, sonhos, sentimentos e sentidos alerta.
Doçuras, travessuras, bons humores, irritações. Aqui todo o meu mundo fica guardado.
Um pouco do que sou. Ou do que não sou.
Medos, sonhos, sentimentos e sentidos alerta.
Doçuras, travessuras, bons humores, irritações. Aqui todo o meu mundo fica guardado.
Um pouco do que sou. Ou do que não sou.
Que dissesse todas as palavras certas, no momento em que as precisava.
Que me estendesse a mão ou me segurasse quando tropeço.
E incrivelmente, lá estavas tu, um dia, na beira do passeio quando atravessava a estrada.
Sorriste como se nos conhecessemos a vida toda, e quando efectivamente nos conhecemos parecia ser assim.
Falávamos em silêncio, sabiamos o que cada olhar do outro queria dizer. Uma amizade perfeita.
Um dia os silêncios ficaram para sempre. Não há mais a tua mão, o teu olhar.
Seguiste viagem.
E eu? Ainda pensei que um dia te ia substituir, mas há coisas que só acontecem uma vez na vida, quando chegam a acontecer. Olha que bem procurei, tentei, mas nada.
Hoje limito-me a procurar por mim, bem no fundo do meu ser. Que mais posso fazer?
Principalmente para quem foi insegura na adolescência e juventude.
Passamos a vida com medo do que os outros vão pensar, se vamos perder aqueles que amamos, se as coisas não vão correr bem, se não conseguimos um trabalho que pague o suficiente para se viver para além da sobrevivência, se... se... se...
Lutamos contra os medos, as inseguranças e vamos construindo uma vida.
Remamos, frequentemente, contra a maré até chegarmos a um porto mais ou menos seguro. Uma espécie de pouso a meio caminho para recuperarmos forças.
Um dia vem uma onda maior, um evento que nos apanha completamente desprevenidos e deita tudo abaixo.
E nós recomeçamos. Cuspimos toda a água que nos engasga, guardamos a memória do sabor amargo que sentimos, tapamos as feridas, os arranhões. E recomeçamos.
Um dia encontramos novo porto. Ou nova onda. Ou ambos.
Uma espécie de dança de conquista entre nós e a vida. Nós almejamos quebrar amarras e barreiras. Ela, por vezes, parece querer quebrar-nos.
Umas vezes caímos e levantamo-nos. Outras alguém nos levanta.
Alguns de nós perdem as forças e ficam caídos. Não são desistentes, são resistentes sem força nem escoras.
E nisto os anos passam. Oferecem-nos cicatrizes como prendas, que disfarçamos como podemos. Trazem amigos e levam alguns, também.
Trazem dores. E amores. Levam os segundos e deixam-nos ficar com as primeiras.
Um dia percebemos que o tempo passou.
Levantamo-nos de manhã, vestimo-nos e pensamos "Estou aqui. Independentemente do que consegui, cheguei aqui".
Nesse dia deixamos o disfarce de lado e exibimos, não orgulhosamente, apenas com naturalidade, as nossas cicatrizes. Se ainda tivermos coragem, acariciamos cada uma delas a lembrar as batalhas.
Foi num desses dias que entendi as mulheres que, ao chegarem a certas idades, começaram a vestir aquilo que lhes apetecia sem pensar nas convenções, a pintar o cabelo de tons menos naturais, a dançar sozinhas...
Porque não?
Ontem marquei o cabeleireiro. Hoje mudei o visual e saí orgulhosa da nova cor do meu cabelo.
Sinto falta da cultura. Dos sábados à noite num cinema ou num teatro.
De um bom concerto. Clássico ou não.
Gosto de ouvir música de olhos fechados.
Deixar os sonhos vagar ao ritmo dos sons, sejam eles clássicos ou modernos.
São engraçadas as imagens que nos ocorrem, nesses momentos.
Há uns tempos, quando ainda se podia ir a concertos, teatro e afins, combinei com uma amiga irmos assistir a um concerto de música clássica, como fazíamos de tempos a tempos.
Sou quase sempre eu a lançar os desafios, após me lançar à procura de programas, e ela a confiar nas minhas escolhas.
Disse-lhe que iríamos ouvir a 8ª sinfonia de Beethoven e ela, com a tradicional resposta "trata dos bilhetes". O que eu não lhe disse é que a segunda parte era preenchida com um compositor moderno, Rihm.
Enquanto decorreu a 1ª parte, tudo esteve tranquilo. Eu maioritariamente de olhos fechados, ela a balançar a cabeça ao som dos compassos.
Quando entrou a 2ª parte do concerto, mantive os meus olhos fechados e todo um manancial de imagens e fantasias foram dançando na minha imaginação. Foi como se o cérebro tentasse reagir às variações de ritmo, de cadências, quase caóticas. Para mim, deliciosamente caóticas. Mas era impossível não sentir o desconforto ao meu lado. Até que lhe perguntei "Queres sair?" - havia quem o estivesse a fazer. Disse-me que não, mas senti ali toda uma tensão a acumular-se. Sorri por dentro a imaginar a tempestade no regresso a casa.
O concerto terminou, depois de cerca de 45 minutos de caos organizado, que criaram imagens no meu cérebro que iam desde comboios desgovernados, a desenhos animados e a mil e uma outras coisas sem nexo. Uma viagem quase psicadélica!
Fomos para o carro e o silêncio instalado.
Até que, ao entrar na autoestrada, lhe sai de uma baforada "Mas o que é que te passou pela cabeça!?"
Aleguei, como se fosse a coisa mais natural deste mundo, que queria ouvir a 8ª de Beethoven. E que nos fazia bem ouvir coisas diferentes.
"Coisas, é a resposta certa", foi o que recebi de volta.
Certo é que nos concertos seguintes passou a verificar os programas.
Ainda hoje, entre o zangado e o incrédulo, conta a quem a quer ouvir:
"Aquilo era um inferno, sem ritmo atinado ou melodia. Eu em arritmias, e ela para ali, de ar tranquilo, olhos fechados a deliciar-se nem sei bem com o quê!"
As saudades são como as cerejas, encadeiam-se umas nas outras, qual elos de cadeia que nos prende à vida.
Podem surgir pelos motivos mais tontos, pelas coisas menos expectáveis.
Hoje, enquanto via a correspondência, dei comigo a pensar nas saudades que tenho de receber uma carta. O cheiro do papel viajado até às minhas mãos. Quando as abria, por vezes sentíamos os resquícios de aroma do remetente. Ler as palavras, a caligrafia e adivinhar o estado de alma de quem adivinhou. Quando a minha irmã e uma grande amiga foram viver para longe, trocávamos cartas com confissões, descrições de dias, sonhos e fantasias.
Depois vieram os emails. Traziam a vantagem de resposta rápida, sem perder totalmente a emoção da espera. Quem nunca ficou a espreitar a caixa de entrada de hora a hora? Já não havia o prazer da caligrafia, o cheiro do papel, mas ainda podíamos estender longas palavras, trocar histórias, promessas, planos, provocações e mesmo gargalhadas.
De seguida, chegaram os sms. E começaram as mensagens curtas. E aí começou os «"Queres ir beber um café?"; "A k horas?"; "hora do costume, no nosso café habitual?"; "ok. Bj"». Vieram os bjs, os keres, os obgd, as letras perdidas, desencontradas de emissor e destinatário. Os bonequinhos amarelos a transmitir emoções para reforçar as palavras que não são escritas.
Não estou a declarar-me inocente de tais pecadilhos! Atire a primeira pedra quem nunca o fez. Não serei eu. Acho os bonecos muito úteis para tentar que o outro perceba o que realmente pretendo dizer, já que na palavra escrita em versão curta não há muito espaço para entoações.
Não sei. Talvez esteja a envelhecer e sejam apenas saudades do passado.
Talvez seja dos silêncios que esta pandemia trouxe, das mensagens que deixaram de chegar. As vozes que deixei de ouvir e as palavras que deixei de ler.
Talvez tenha apenas saudades de receber uma carta. Ou um mero email.
O amor toma-nos a vida, alimenta-nos a escrita, entristece tanto quanto enaltece.
No mundo, milhares de livros, dissertações, obras de arte, criatividade e pragmatismo de mãos dadas em torno de um tema universal. Ou quase.
Dizem que mesmo em tempos difíceis, em momentos de profunda tragédia humana, continua a ocupar parte activa das mentes dos seres sonhadores, enquanto cuidam da sua sobrevivência.
Pode levar a actos heróicos como serve de motivo a crimes hediondos a quem não o sabe viver.