Quando eu era miúda, o mundo era cheio de promessas.
A revolução quase tão jovem quanto eu carregava sobre os seus ombros o peso da esperança.
Quando eu era miúda, um homem de costas marcadas disse-me que não tivesse medo, pois os homens que o marcaram não marcariam mais ninguém.
Quando eu era miúda, a primavera cheirava a flores e o verão a calor.
Os meus sonhos eram do tamanho do mundo e o futuro, que demorava a chegar, não metia medo a ninguém.
Hoje a revolução, de tão adulta, é considerada ultrapassada. Desvalorizada. Como se, na verdade, não saboreássemos os seus frutos em cada dia que passa.
O futuro não nos assusta, porque gastamos o nosso medo com o presente.
Os homens que marcam o corpo de outros homens assumem novos papéis que desvalorizamos. Pelo menos enquanto o nosso corpo estiver intacto.
O cheiro da primavera confunde-se com o cheiro a medo e as flores vão sendo aos poucos arrancadas por homens insanos que nos apertam o coração. E, dentro de nós, vamos cedendo os espaços internos a cravos virtuais e de plástico que, supostamente, simbolizam a revolução.
Quando voltar a ser nova, a primavera voltará a cheirar a cravos, e o verão a sal e sol.
De pequenina, imaginava sapatinhos de cristal, brilhos de festa, ensaios de beijos em sapos que rapidamente se transformavam em príncipes.
Viagens pelo mundo, aromas exóticos desconhecidos, paisagens deslumbrantes.
Um braço sobre os meus ombros a proteger-me nas aventuras.
De repente o futuro tornou-se presente, e dos sapatinhos de cristal nem sinal. Veio a ausência de paciência para os brilhos de festa. Os beijos ensaiados, viram princípes a transformarem-se em sapos. O mundo percorrido em páginas de vida de outros.
E no entanto...
E no entanto, o futuro-presente transformou-se na viagem mais exótica de todas.
O prazer de uma noite a ouvir outros a contar os seus sonhos-viagens.
O ensaio de um sorriso num momento de cumplicidade percebido por (muito) poucos.
A mão que me acompanha, por vezes pousada no ombro, outras levando a minha entrelaçada. Acompanhamo-nos mútuamente o passo. Lado a lado.
Um sapo, que não é princípe, mas que reina no meu pensamento.
Um futuro deslumbrante, que se transforma num presente imaginado.
Entre o ser e o estar, subindo e descendo em espirais constantes e intermináveis.
Por vezes interrogo-me se subo ou se desço. Se quero subir ou descer.
Subir em direcção da luz é trabalhoso. Talvez seja melhor descer à escuridão. Ao silêncio.
E que me garante que na realidade a luz está em cima e não em baixo.
Subo, desço. Desço subindo, e afundo-me mais no silêncio. Subo descendo, e fico ofuscada pela luminosidade.
Vezes há em que desço, em espiral, vertiginosamente, afundando-me num silêncio que quero tranquilizador.
E quando olho para trás, vejo-te a captar momentos dos meus movimentos. Incapaz de interferir. Deixando-me subir enquanto desço para o sol, ou para a terra. Tanto faz.
Olhando. Fotografando. Captando instantes. "E o que sentes agora?".
Nada. Não sinto nada. Só consigo inspirar e expirar espirais.