Terceiro dia de uma nova rotina, fui beber o café na varanda.
O que mais me tem impressionado nestes dias é o silêncio. Não chega a ser pesado. Mas vivo entre escolas e dou pela falta do chilreio infantil e juvenil.
O movimento de carros faz lembrar a minha infância, em que todo o bairro era nosso, sem grande trânsito.
Da janela observo como a natureza segue o seu caminho: as árvores cheias de rebentos, dando ares de primavera, os melros que surgem como donos do bairro, cantando tranquilos pelo chão. Só o carteiro os obriga a levantar voo.
De um telhado vizinho um casal de gaivotas, que ali fez ninho, quem diria?, voa e pia, não sei se à procura de comida, se incitando alguma cria.
Os vizinhos, tal como eu, aproveitam o sol e a brisa para secar a roupa nos estendais, o que dá mais um toque de cor ao bairro, já de si colorido.
As azedas pintam de amarelo a verdura do chão.
Esqueço por um momento as circunstâncias que nos retêm em casa.
A natureza do meu bairro sempre teve este condão sobre mim.
Como um pequeno ser, sobre um fundo de cortina, em que o teu corpo se destaca - verde contra azul - mas as tuas asas se mantêm discretas, invisíveis a quem passa distraído, mantém-te atento e prepara-te para voar.
Em qualquer momento a janela pode ceder, o vento pode soprar e uma brecha indicar-te-à o caminho.
Não te demores demasiado, não te quedes distraído, ou logo ficarás preso para sempre, na imobilidade dos dias, na incerteza das horas, convencido que vogas sobre um céu azul.