Hoje acordei com a noção dos anos.Desprovida de juventude.
Como se o corpo e a mente acusassem os cinquenta que se aproximam.
O cansaço, a ausência de férias, a falta dos amigos, de ti, potenciam o desânimo.
Pensei que com o trabalho, a actividade do dia, a sensação se esbatesse.
Nem por isso. O aperto das saudades faziam-me olhar para o telemóvel à procura de uma chamada que nunca poderá vir.
Saí, fui tratar de mim por um instante, uma massagem para me esquecer que com o tempo ficamos crocantes. A idade torna-nos naturalmente musicais.
O relaxamento semi-conseguido facilitaram o final do dia.
Sol de pouca dura, foi nublado por uma daquelas notícias que nos lembra que a idade realmente está cá, e que, a partir de certo ponto, se começa a contar pelas perdas que acumulamos. As passadas, as presentes e as iminentes.
Mas a vida segue. Respira-se fundo, pega-se nas pontas e tenta-se ligar vidas com nós e laços, quando possível. As linhas desconectadas, deixamos ir, sem solução a aplicar.
Quando era pequena, por vezes, ficava acordada à noite, na cama, a imaginar que o nosso mundo e a minha vida poderia ser um sonho de alguém que estaria num outro mundo real. Devem vir desse tempo as insónias.
Mais tarde encontrei-me com a física quântica e as teorias de Schroedinger, que num acesso de loucura (segundo ele próprio) concebe a ideia do multiverso - uma infinidade de universos paralelos, que cobririam todas as possibilidades simultâneas.
Foi um update dos meus pensamentos: o meu mundo é real, mas outros também! Em que neste eu era eu, e noutros era uma outra eu. Tudo era possível! Na teoria...
Com o tempo dediquei-me em exclusivo a este universo único que temos.
Mas, recentemente, voltou à minha memória o multiuniverso.
Vontade de evasão? Falta de ideias?
Simplesmente fruto das minhas saudades tuas.
Pensar que nos reencontramos, neste momento, num qualquer universo paralelo.
Na estreita língua de areia, arranjámos um espaço seguro para depor as nossas coisas e fomos passear para a beira-mar. A violência do mar mostrava um perfeito contraponto à tranquilidade em que hoje mergulhei. Comigo, levemente adiantada, J caminha de mão dada com o marido; o filho corre à volta de ambos. Olho para aquela mulher que vi, e ajudei, a crescer e uma onda invade-me. A compreensão do tempo presente. A noção de que é tempo de fechar ciclos, de encerrar contos que me parecem tão antigos quanto os tempos. É tempo de respirar e aceitar os tempos que ainda vêm.
Lá fora uma modorrinha cai, libertando os cheiros das árvores.
Num canto da casa a nova inquilina dorme tranquila, enquanto as crianças que vieram de visita anseiam que acorde.
É todo um ambiente que me faz lembrar a minha infância. Mas agora sentida de um ponto de vista mais próximo dos meus pais.
É estranho. Passamos a ser a geração que toma as decisões. Somos os mais velhos. Mas cá dentro nem tudo é assim tão adulto.
Continuo a sentir inseguranças tontas, que levam a duvidar de palavras que me dirigem. Continuo a ter a capacidade de me apaixonar como uma adolescente - sempre pensei que aos 40 isso já tivesse sido ultrapassado.
E no entanto, eis-me aqui. Adulta a sorrir perante as tolices das crianças, adolescente a sorrir perante os meus sentires.
Mas, hoje especificamente, as paixões não me fazem sorrir.
Há uma nostalgia no ar, que me lembra que nada foi realmente conquistado.
Que o sonho arrefece como o tempo. Um sonho de verão a entrar no outono.
Depois do dia louco de ontem, soube bem o tempo de hoje.
Assuntos colocados em ordem, seguiu-se a praia, em sossego.
Agora, no silêncio da noite, sento-me defronte da televisão desligada.
Apetece dormir, mas se adormeço cedo, a meio da noite ando a passear pela casa.
Pego no telefone, enquanto penso a quem posso telefonar para passar o tempo. Desisto.
O que realmente apetecia era uma esplanada, uma boa companhia e uma boa conversa. Mas não é possível.
Fico parada a pensar o que me apetece. Ler, no sofá. Um pouco de música.
Não me sinto triste ou melancólica. Apenas mole.
Até que surge a real vontade: O que ia bem agora, era mesmo um abraço. Um ombro para pousar a cabeça. Palavras meio ditas, sono adiado. Olho de novo o telefone. Também não é possível.