Medos, sonhos, sentimentos e sentidos alerta.
Doçuras, travessuras, bons humores, irritações. Aqui todo o meu mundo fica guardado.
Um pouco do que sou. Ou do que não sou.
Medos, sonhos, sentimentos e sentidos alerta.
Doçuras, travessuras, bons humores, irritações. Aqui todo o meu mundo fica guardado.
Um pouco do que sou. Ou do que não sou.
Escrevo-te para te dizer que o teu silêncio não me incomoda.
Cansam muito mais as palavras de circunstância.
Saudades? Sim.
Do teu corpo na noite, ao lado do meu. De beber no teu hálito matinal a coragem para o quotidiano.
Não. Não estou zangada pelo teu silêncio.
Talvez esteja - sim, certamente que estou - zangada com a abundância de palavras que me sobram, agora, tão inúteis! Prenhes de redundâncias e vazios. Os "amo-te", os "vem".
Olha, guardo-te ainda nas evocações do meu caderninho, enquanto aguardo o final do tempo das memórias.
Poderia terminar dizendo que te quero bem, mas seriam mais palavras vãs.
Ontem, enquanto dissertava disparatadamente em torno de uma maçã, foram surgindo outros pensamentos, que se foram enrolando e desenrolando, em jeito de novelo de lã.
O que me leva a escrever? Não sei. É algo que me acompanha desde sempre. Talvez a necessidade de pôr tinta em papel. Forma alternativa do dizer.
No entanto, nem sempre escrevo o que sou ou sinto. São por vezes textos sonhados, libertos no limbo que separa o sono do sonho.
Outras vezes, não tão pouco frequentes quanto isso, são simples exercícios de imaginação. E se agora eu sentisse isto, como expressaria? Como o expressei da última vez que senti tal. Se é que o cheguei a exprimir. E se eu fosse outro que não eu?
Palavras escritas, partilhadas ou privadas.
Palavras trocadas a dois, lidas por dez, sentidas por alguém.
Gosto de regressar de vez em quando a palavras passadas, guardadas ou trocadas com outros. passear por diários, reler cartas (ainda as escrevo), emails recebidos e enviados, recuperando sentires e conhecimentos, ou fazendo novas leituras. Até chegar o dia da despedida, em que tais rastos são apagados, rasgados, essências guardadas na memória. Tempos terminados.
Já a publicação de textos nasceu, no meu caso, de um desafio. Um colega de curso. Ele desenhava durante as aulas, eu escrevia, e no processo integrávamos, cada um à sua maneira, a informação recebida. Um dia foi-lhe proposto uma exposição, e em resposta ele desafiou-me à exposição dos meus textos.
E o que começou como um desafio passou a ser um processo terapêutico. Um modo de enfrentar, de forma mais ou menos recatada, o meu medo de estar à vista, de me mostrar. Que me levou, depois, a aceitar outros desafios.
Escritas. Palavras ditas e desditas. Resmas de papel guardadas no fundo de um armário para que, um dia, quando já cá não estiver, alguém os ler ou rasgar.
O seu tom vermelho lembrava o conto infantil de que menos gostei.
Peguei-lhe para a comer, mas hesitei. Uma maçã envenenada. Depois ficar a dormir até que um príncipe me acorde. Não consegui reprimir a gargalhada.
Estava bem tramada, se ficasse a depender de um príncipe.
Mirei-a de novo, agora colocada na palma da minha mão.
Nunca fui dada a príncipes. A minha história sempre foi mais de Monstros, embora pouco tenha de Bela. Em comum, apenas o gosto pela leitura.
Olha o devaneio a que me leva uma mera maçã!
Volto a olhar. Mas porquê a hesitação? Já provei tanto veneno que o de uma maçã não me afectaria.
Aliás, se bem me lembro, a última vez que um príncipe, tentado pelo meu sono sem sonhos, me tentou beijar a alma, acabou a provar um pouco do meu próprio veneno. Não foi intencional...
Olhei para a chuva, que continua a cair, e deixei-me de pensamentos sem nexo. O que me faz uma casa vazia!
Mordi a maçã e deleitei-me com o seu sabor, enquanto seguia as gotas de água na janela.
Já perto do final, olhei para o seu interior e vi fios vermelhos, como se sangrasse.
Olha, afinal a maçã era cá das nossas! Singular por fora, por dentro era apenas mais um coração sangrante.
Ora balelas! Acabei de a comer.
Para o que a chuva, o silêncio e uma maçã me haveriam de dar, pensei, enquanto deitava fora o caroço.
Relembro as palavras do dia: "É só mais uma prova, tu aguentas, já passaste por outras". Suspirei de alívio pela ausência do costumeiro "tu aguentas", tão inapropriados como insensíveis, mas já típicos nestas ocasiões.
Levanto-me, dou mais uma volta pela casa, na secreta esperança de encontrar algo que não devia ser, para poder acreditar que tudo não passa de um sonho. Mas nada. Confirma-se: ainda não adormeci.
Passo num espelho e enfrento um reflexo sem brilho. Olhos no presente, coração de menina ausente.
Onde é que fiquei? Onde é que sou?
O olhar, fixo no presente, já não corre o passado nem foge para o futuro.
Enquanto volto para a cama lembro a frase publicitária "o futuro é agora". Bolas, se isto é o futuro, então o que é que ando aqui a fazer?
Deito-me de lado, cansada de mim mesma. Ligo a aplicação de meditação e finjo que acompanho a voz que me tenta guiar.
Na verdade, quero apenas o som de algo, uma voz que me embale para mergulhar na escuridão a sério.
Talvez mergulhando na noite profunda, consiga voltar a ser dia.