quando eu era nova
Quando eu era miúda, o mundo era cheio de promessas.
A revolução quase tão jovem quanto eu carregava sobre os seus ombros o peso da esperança.
Quando eu era miúda, um homem de costas marcadas disse-me que não tivesse medo, pois os homens que o marcaram não marcariam mais ninguém.
Quando eu era miúda, a primavera cheirava a flores e o verão a calor.
Os meus sonhos eram do tamanho do mundo e o futuro, que demorava a chegar, não metia medo a ninguém.
Hoje a revolução, de tão adulta, é considerada ultrapassada. Desvalorizada. Como se, na verdade, não saboreássemos os seus frutos em cada dia que passa.
O futuro não nos assusta, porque gastamos o nosso medo com o presente.
Os homens que marcam o corpo de outros homens assumem novos papéis que desvalorizamos. Pelo menos enquanto o nosso corpo estiver intacto.
O cheiro da primavera confunde-se com o cheiro a medo e as flores vão sendo aos poucos arrancadas por homens insanos que nos apertam o coração. E, dentro de nós, vamos cedendo os espaços internos a cravos virtuais e de plástico que, supostamente, simbolizam a revolução.
Quando voltar a ser nova, a primavera voltará a cheirar a cravos, e o verão a sal e sol.
Basta que eu nunca deixe de acreditar.